Se só me restasse um dia, eu o viveria como se ele não fosse o último. Nunca vivi pensando que teria todo o tempo do mundo pela frente. Nunca vivi desconsiderando o óbvio: a morte. Digamos que tenho medo de uma morte diferente do fim da vida, aliás, não sei, seguramente, se o que chamamos de fim da vida pode ser considerado morte. Acho morte um substantivo pesado demais para algo que, não sabemos, pode continuar. Não pretendo falar de planos paralelos, mas não posso ignorá-los simplesmente por não existir prova plausível da existência deles. Seria ignorância demais. Acredito em tanta coisa sem pedir prova alguma e o amor é uma delas.
O café, a vodka, os cigarros. O antiinflamatório, o chá, os legumes. Não existe o bom e o ruim, existem escolhas. Não me prendo a atos que a massa poderia considerar capazes de fechar com chave-de-ouro uma vida: esperar os amigos em uma sala vazia, correr para o shopping, andar pelado na chuva, entrar de roupa no mar, trepar sem camisinha. Nada disso para mim faz muito sentido. Desde que eu decidi, no meu âmago, não desistir de mim, qualquer atitude desesperada - como um ato reivindicatório ou uma expressão de recusa, tristeza ou melancolia - não é permitida.
É claro que penso em um futuro. Em um. Não no. Não acho saudável desvincular conseqüência de causas: as coisas podem brilhar, mas só se trabalharmos nisso e para isso. E eu trabalho bastante inclusive. Nesse jogo com a vida estou ganhando com muitos pontos à frente e a minha crença nas pessoas é que me dá tanta força: falar dos seus anseios, preferências e dificuldades; da sua rotina árdua e massacrante; das garras do capitalismo e da falta de liberdade; dos preconceitos raciais e sexuais.
Portanto, se hoje fosse o meu último dia nada mudaria. Eu me sentiria pleno e feliz com o que fiz de mim. Ou com o que deu para fazer. Não me agrada pensar naquilo que não tive tempo de fazer, já que não somos insubstituíveis: outros emergem de seus lugares e, mesmo que inicialmente de forma torta e estranha, acabam tomando os trabalhos, as rédeas e colaborando para que tudo entre novamente em harmonia. E entrar em harmonia é algo inerente às coisas e às situações. Chega de achar desculpas e problemas: há sempre muito para se viver, mesmo se hoje fosse o último dia. Mas se hoje fosse o meu último dia eu iria para a balada do café triste.
