sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Uma resposta: se hoje fosse o meu último dia eu iria para a balada do café triste


Se só me restasse um dia, eu o viveria como se ele não fosse o último. Nunca vivi pensando que teria todo o tempo do mundo pela frente. Nunca vivi desconsiderando o óbvio: a morte. Digamos que tenho medo de uma morte diferente do fim da vida, aliás, não sei, seguramente, se o que chamamos de fim da vida pode ser considerado morte. Acho morte um substantivo pesado demais para algo que, não sabemos, pode continuar. Não pretendo falar de planos paralelos, mas não posso ignorá-los simplesmente por não existir prova plausível da existência deles. Seria ignorância demais. Acredito em tanta coisa sem pedir prova alguma e o amor é uma delas.

O café, a vodka, os cigarros. O antiinflamatório, o chá, os legumes. Não existe o bom e o ruim, existem escolhas. Não me prendo a atos que a massa poderia considerar capazes de fechar com chave-de-ouro uma vida: esperar os amigos em uma sala vazia, correr para o shopping, andar pelado na chuva, entrar de roupa no mar, trepar sem camisinha. Nada disso para mim faz muito sentido. Desde que eu decidi, no meu âmago, não desistir de mim, qualquer atitude desesperada - como um ato reivindicatório ou uma expressão de recusa, tristeza ou melancolia - não é permitida. 

É claro que penso em um futuro. Em um. Não no. Não acho saudável desvincular conseqüência de causas: as coisas podem brilhar, mas só se trabalharmos nisso e para isso. E eu trabalho bastante inclusive. Nesse jogo com a vida estou ganhando com muitos pontos à frente e a minha crença nas pessoas é que me dá tanta força: falar dos seus anseios, preferências e dificuldades; da sua rotina árdua e massacrante; das garras do capitalismo e da falta de liberdade; dos preconceitos raciais e sexuais.

Portanto, se hoje fosse o meu último dia nada mudaria. Eu me sentiria pleno e feliz com o que fiz de mim. Ou com o que deu para fazer. Não me agrada pensar naquilo que não tive tempo de fazer, já que não somos insubstituíveis: outros emergem de seus lugares e, mesmo que inicialmente de forma torta e estranha, acabam tomando os trabalhos, as rédeas e colaborando para que tudo entre novamente em harmonia. E entrar em harmonia é algo inerente às coisas e às situações. Chega de achar desculpas e problemas: há sempre muito para se viver, mesmo se hoje fosse o último dia. Mas se hoje fosse o meu último dia eu iria para a balada do café triste.

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Eleonora, a líder

Por Isley Borges e Carlos Gabriel

Eleonora Luiza da Costa. Esse era o nome dela. Sempre liderou discussões na câmara de vereadores, que mais parecia a “casa da mãe Joana”. Acreditava muito no que dizia a televisão, o rádio e a internet, tomava tudo o que diziam esses meios como verdades absolutas e gostava, também, de convencer as pessoas a aderirem à sua opinião e, graças a seu discurso, sempre conseguia tal proeza.

Tornou-se dona de um grande potencial de conhecimento, residido e elaborado em sua mente. Estudou Sócrates e aprendeu a falar bem. Transformou em Sofistas aqueles que não iam a favor de suas ideologias. Mudou-se para a cidade grande ainda pequena e adquiriu a supremacia burguesa aos bocados, ao assistir o pai vender produtos supérfluos com tamanha facilidade. Aprendeu bastante nessa época. Ainda carrega tecnologias linguísticas pertencentes a este período.

Certa vez, Eleonora convencera todos os habitantes da pequena São Dimas a destituírem o prefeito e exigirem novas eleições. Tudo porque a cidade fora denunciada anonimamente em um jornal regional. Acreditou em tudo o que os jornalistas falaram e tratou logo de disseminar a informação: panfletos, auto-falantes e microfones foram suportes para sua indignação. As palavras caíam sobre a cabeça dos Sãodimenses como gotículas geladas de chuva e enchiam de lágrimas os olhos das Marias e dos Joãos.
 
Indignada, convocou todos à frente da prefeitura e se pôs a protestar como nunca antes. Os cidadãos, também indignados, mas às vezes sem saber muito bem o que ali faziam, seguiam os passos da líder: “novas eleições! Novas eleições!”, eles gritavam alucinadamente. Tomavam parte de toda a frente do local numa tentativa de expulsar o prefeito de seu posto.

Quase invadiram o local, contudo não conseguiram. Não conseguiram porque alguém gritava para chegar à frente, para falar com Eleonora. Muito espantava aquele advogado que ela, tendo o conhecimento que tinha, não contestasse e não apurasse o que era dito pelos meios de comunicação. Tudo o que sabia era reproduzir conceitos rasos. O advogado trouxe à Eleonora a informação de que a denúncia feita no jornal e divulgada sem apuração era profunda falácia, mentira das deslavadas. As palavras, que caíam como gotículas de chuva sobre a multidão, congelaram-se ali.

Eleonora estava estagnada, tentando inutilmente se convencer de que aquilo não estaria acontecendo, de que as palavras deferidas pelo advogado eram falsas e que tudo não passava de um produto do seu inconsciente, um empecilho apenas. A mulher, robusta na aparência, ficou abatida em ao visualizar a papelada que o homem lhe entregava. Deu-se por conta, entrementes, da sua visão equivocada e superficial dos fatos que criticava outrora. Rendeu-se ao o que lhe diziam as indústrias da comunicação e tomava as informações como verdadeiras. Arrependeu-se em amargura por tomar consciência da quão leviana fora neste tempo. Aprendeu a retórica com perfeição, mas ignorou a profundidade do mundo.